quinta-feira

História da Lebre Sábia

E, numa outra vida ainda, eu era uma lebre nova, e morava numa floresta sobre a montanha. alimentava-me de ervas e plantas, de folhas e frutos, e não fazia mal a ser algum. Um macaco, um chacal e uma lontra moça por companheiros, viviamos juntos e eu os intría sobre os seus deveres, ensinando-lhes o que é bem e o que é mal.
Ora, num dia de festa, vendo que era lua cheia, eu lhes disse: "Hoje é dia de festa; aprontai as oferendas que podeis dar às pessoas dignas de recebê-las!" Eles responderam "Assim seja", e, conforme suas forças e seus meios, prepararam as oferendas e procuraram quem fosse digno de recebê-las. Quanto a mim, sentei-me e comecei a buscar no meu espírito a esmola que eu poderia dar. "Se encontro uma pessoa digna, qual poderá ser a minha dádiva? Não tenho favas, nem arroz, nem manteiga. Vivo de ervas: e erva é coisa que não se pode dar. Pois bem! se encontrar uma pessoa digna e se ela me pedir alimento, dar-me-ei a mim mesma; ela não deve voltar de mãos vazias."
E Sakka compreendeu meu pensamento e, sob a figura de um brahmane, aproximou-se da minha toca para me experimentar e ver o que é que eu lhe daria. Logo que o avistei, disse-lhe: "fizeste bem em vir a mim pedir alimento. Um nobre dom, um dom como nenhum outro hoje recebido, é o que eu, hoje, te posso oferecer. Praticas os deveres da retidão, e sei que não fazes mal algum, Mas, vai, colhe lenha e acende fogo: vou cozinhar-me a mim mesma, e poderás então comer meu corpo."
Ele disse: "assim seja" juntou a lenha e fez fogo. Saltei no meio das labaredas. E como, para o que mergulha, uma água fresca acalma, o tormento do calor, assim o fogo ardente, como uma água fervente, acalmou todos os meus tormentos.

segunda-feira

Conduta Reta

"Injuriaram-me, bateram-me, espoliaram-me!" - Os que vão falando assim não deixam de odiar.

"Injuriaram-me, bateram-me, espoliaram-me!" - Os que não vão falando assim não deixam de odiar.

Ora, o que faz cessar os ódios não é o ódio, mas o amor. É esse um preceito velho como o mundo.
Muitos há que não conhecem este preceito: "É preciso conter-se, nesta vida." Mas os que o conhecem, nunca tiveram desavenças com quem quer que seja.

Alimentai no vosso coração uma benevolência sem limites para com tudo o que vive.

Todo o mundo treme ante a violência, todo o mundo treme ante a morte. Não faças o que não querers que os outros façam; não mates, nem mandes matar.

Todo o mundo treme ante a violência, a todo o mundo a vida é cara. Faze, pois, o que queres que outros façam; não mates, nem mandes matar.

Todos os seres buscam a felicidade. Aquele que os maltratou pela violência, buscando a própria felicidade, não a gozará depois da morte.

Todos os seres buscam a felicidade. Aquele que não os maltratou pela violência gozará, depois da morte, a felicidade que tanto desejou para o próximo.
Tais seres são semelhantes a mim: eu sou semelhante a eles. Quando alguém assim se identifica com o próximo, recusa-se a matar, e não dá motivo a que o matem.

Encontrando-se a si mesmo por toda parte e em todas as coisas, o sábio envolve o mundo inteiro num sentimento de paz, de compaixão, de um amor largo, profundo e sem limites.

Sem espada nem bastão, simpático e benevolente, o discípulo sente amor e compaixão por todos o seres.

quarta-feira

O Cego de Nascença


Havia um cego de nascença que dizia: "Não creio no mundo da luz. Não existem cores brilhantes ou sombrias. Não existe Sol, nem Luz, nem estrelas, nem alguém que jamais tivesse visto tais coisas."

Seus amigos reprovavam essa teimosia; mas ele continuava firme nas suas opiniões. "O que pensais ver não é mais que ilusão. Se sentir pelo tato; elas não têm, pois, substância, realidade."

Havia, nesse tempo, um grande médico, que veio ver o cego. Misturou ele quatro simplices, ministrou-os ao cego e o cego começou a ver.

O Buddha é semelhante ao médico: ele abre os olhos do espírito; e os quatro símplices são as quatro Verdades.

segunda-feira

Tanha - A Sede de Existência


Trêmulos de medo, por toda parte procuram os homens um esconderijo: nas montanhas e nas florestas, nos jardins e sob as árvores consagradas.
Não há por aí, porém, esconderijo seguro. Não é ai o supermo refúgio. Não é nesse abrigo que se encontra o livramento de toda dor.
Aquêle que procura refúgio no Buddha, na Lei e na Comunidade dos fiéis, vê, com os olhos da Ciência Perfeita, as quatro Verdades sublimes:
A Dor, a Origem da Dor, a Libertação da Dor e a Via de oito ramos que conduz à Liberação da Dor.
Eis um seguro refúgio. Eis o refúgio supremo. Eis o refúgio em que se encontra o livramento de toda dor.

Qual a raíz do Mal? A cobiça, o ódio, a ilusão são a raíz do Mal.
Qual a raiz do Bem? A renúncia à cobiça, ao ódio, à ilusão é a raiz do Bem.
Não há fogo que se compare à paixão, prisão que se compare ao ódio, grilhão que se compare à agitação do espírito, torrente que se compare à cobiça.
Não há fogo que se compare à paixão, desgraça igual ao ódio, sofrimento semelhante ao da existência individual.
Nenhuma felicidade é maior do que a paz de espírito.

No homem que não zela pela sua conduta,, a cobiça trama como a liana. Ei-lo que erra, daqui, dali, como numa floresta um macaco em busca de um fruto.
Os que assim se entregam à paixão seguem um caminho que eles próprios criaram, como tece a aranha sua própria teia. Os sábios, rompidas as amarras, abraçam a vida religiosa, e de então em diante nada mais os inquieta, nem mais se preocupam com o amor e o prazer.

Este mundo mergulha nas trevas. poucos homens enxergam alguma coisa. Poucos se atiram ao céu como um pássaro que se livrou do laço.
Os gansos selvagens seguem a rota do Sol; galgam os ares graças ao seu poder sobrenatural. Graças à sua vitóra sobre o Mal, assim se elevam os sábios acima dos morais.

Sobre todo presente prevalece o presente da Lei; sobre toda doçura da Lei; sobre toda alegria, a alegria de possuir a Lei. A extinção da paixão destrói todo sofrimento. Cortai pela raíz toda floresta dos desejos: não uma árvore apenas. Quando tiverdes cortado a floresta toda, só então permanecereis sem desejos.
Para esse que chegou ao fim, que, salvo de aflições, se libertou completa e definitivamente, que se desfez de quaisquer peias, para esse a Dor não mais existe.

A êsse pelo qual resvalam os gozos como a água pela folha do lótus, ou o grão de mustarda pela ponta de uma agulha - a êsse eu chamo de sábio.
A êsse que, rompida tôdas suas amarras, livre de tudo, não se ressente de temor algum - a êsse eu chamo de sábio.
A êsse que sobre a terra sabe pôr termo à dor, que depôs seu fardo, que de tudo se desligou no mundo - a êsse eu chamo um sábio.

quarta-feira

As Quatro Verdades (1)

Ouvidos atentos, ó monges! Está descoberta a liberação da morte! Ensino-vos a Doutrina! Se seguirdes meu ensinamento, conhecereis nesta vida a Verdade, contemplando-a face a face.
  1. Eis a nobre Verdade concernente à Dor: É dor o nascimento, dor a velhice, dor a enfermidade, dor a morte, dor a união com o que não se ama, dor a privação do que se ama. Em resumo: dor são os cinco elementos (2) que constituem o homem.
  2. Eis a nobre Verdade concernente à Origem da Dor: É o desejo da vida individual; é ele que nos conduz de renascimento em renascimento, seguido de cobiça e prazer; é a sede de existência individual, de felicidade pessoal nesta vida, ou noutra.
  3. Eis a nobre Verdade sobre a Libertação da Dor: A extinção dessa sede, a destruição do desejo.
  4. Eis a nobre Verdade concernente à Via que conduz à Libertação da Dor: É a nobre via de oito ramos que são:
  • Crenças retas (isentas de suprestição e de ilusão).
  • Vontade reta (alvo elevado, digno de um homem vigilante).
  • Palavra reta (benevolente, leal, verídica).
  • Ação reta (conduta pacífica, honesta, pura).
  • Meios de existência retos (que não prejudiquem a ser algum).
  • Esforço reto (educação e domínio de si mesmo).
  • Atenção reta (memória e espírito ativos e vigilantes).
  • Meditação reta (pensamento assíduo sobre o sentido da vida).
(1) Centro de doutrina budista.
(2) Os cinco "Khanda" que formam o ser humano: a corporeidade, as sensações, as representações, as formações e o conhecimento.

Samsara

Que motivo de riso, que alegria pode haver neste mundo eternamente inflamado pela paixão? Envoltos em trevas, não procurais uma tocha? Olhai esse corpo coberto de males, encolhido, doente, alimentando projetos sem fim, embora já não seja firme, nem reto. Frágil é essa forma exterior, sujeita à velhice: verdadeiro ninho de enfermidades. A corrupçãp desagrega o corpo, e a morte é a sua vida. Que prazer pode haver em contemplar esses ossos esbranquiçados, semelhantes a abóboras lançadas ao outono? Os ossos formam o arcabouço interno: a carne e o sangue, o revestimento externo dessa cidadela na qual residem a velhice e a morte, o orgulho e a hiprocrisia. Envelhecem as carruagens dos reis, magnificamente ornamentados, como envelhece, também o corpo do homem. Só a virtude dos sábios não envelhece.
Assim como os frutos maduros ameaçam cair das árvores, também aquele que nasceu está sempre sob a ameaçã da morte. Assim como o destino de todo vaso, saído das mãos do oleiro, é partir-se, o da vida dos seres é acabar-se. Assim como o vaqueiro tange com sua vara o gado para o estábulo, também a velhice e a morte vão tocando para a frente a vida dos homens.
Longa é a noite para aquele que vela. Longo, o caminho para o que está fatigado. Longa, a sucessão das existências para os desgraçados que não conhecem a verdadeira Lei! O que é que julgais, ó discípulos, seja maior: a água do vasto oceano, ou as lágrimas que vertestes quando, na longa jornada, errastes ao acaso, de renascimento em renascimento, unidos àquilo que odiastes, separados daquilo que amastes? A morte de uma mãe, a morte de um pai, a morte de vossos filhos, a perda de vossos bens, tudo isso, através de idades e idades, já tendes experimentado! E, enquanto através de idades e idades o experimentastes, mais lágrimas vertestes do que há de água no vasto oceano.
Não tardará muito, ai de ti! Teu corpo há de jazer sob a terra, vil, inconsciente, como um pouco de lenho imprestável! Agora, és uma folha amarelecida. Cercam-te os companheiros de Yama. Estás de partida, e não tens provisões no teu farmel! De pé! Desperta! Poderá haver sono para os enfermos varados pelas flechas do sofrimento? Refugia-se em ti mesmo como numa ilha. Mãos à obra! Toma juizo! Quando sem mácula, sem pecado, chegarás ao mundo divino dos Arhats. Tua via se acaba, chegas ao fim, não podes parar - e não tens provisões no teu farmel! Refugia-se em ti mesmo como numa ilha. Mãos à obra! Toma juízo! Quando sem mácula, sem pecado, não mais estarás sujeito ao nascimento nem à morte.

terça-feira

As Flores de Lótus


Retirado na solidão, sentado ao pé de um "banyian" (figueira da Índia), o Buddha sonhava:

"Descobri uma verdade profunda, difícil de ser percebida; ela enche de paz o coração, é sublime, ultrapassa qualquer pensamento, mas é secreta, e só o sábio é capaz de aprendê-la. No turbilhão do mundo encontra ela sua sede e seu prazer. Para a humanidade há de ser coisa difícil perceber o encadeamento das causas e dos efeitos; e mais difícil ainda compreender a entrada no repouso de tôdas as formações, o desprendimento das coisas da Terra, a extinção da paixão, o Nirvana."

E apresentou-se, então, ao seu espírito a seguinte sentença, que ainda ninguém havia escutado:

"Porque hei de anunciar ao mundo aquilo que conquistei à custa de tantos esforços? - A verdade tem que permanecer vedada àqueles que estão cheios de desejo e de ódio. - É uma coisa que se custa alcançar, que é profunda e inacessível ao espírito grosseiro. - Não poderão vê-la aqueles cujos desejos terrenos envolvem de trevas o espírito."

Mas se se considerar um açude coberto de lótus, entre as rosas das águas - lótus azuis, lótus brancos, nascidos da água, subindo da água para a luz - uns há que florescem no fundo, sem jamais vir à tona. Ao contrário, outras rosas das águas - lótus azuis, lótus brancos, nascidos na água, subindo da água para a luz - elevam-se até a superfície. Outras rosas das águas, afinal, emergem, e a água não molha mais suas pétalas. Assim, também, quando o bem-aventurado lançou os olhos sobre o mundo, percebeu que havia sêres cujos olhos espirituais eram velados apenas por uma leve poeira; e outros que os tinham obscurecidos por uma espêssa poeira; viu seres de espírito vivo e outros de espírito obtuso; uns fáceis, outros difíceis de ser instruídos, e muitos que viviam no temor, pensando na morte e nas suas faltas. E ao ver tais coisas, pronunciou este sentença:

"Seja aberta a todos a porta da Eternidade. - Ouçam quem tiver ouvidos! - Eu pensei em minha própria mágoa: e foi por isso que hesitei em revelar aos homens a nobre Verdade. Venho ao mundo para salvação de muitos, de pena do mundo, para a prosperidade, a redenção, a alegria dos deuses e dos homens. Ao mundo envolto nas trevas da ignorância eu darei o belo clarão da melhor Ciência. - Libertá-lo-ei da velhice, da morte e de toda dor."